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Silvio Neves Baptista, o jurista múltiplo dos muitos saberes

 

Jones Figueirêdo Alves

Importa afirmar, antes de mais, como síntese da confirmação acadêmica que exalta aquele que chega com o fardão de sua imensa história de jurista, que tudo melhor justifica a chegada de quem, ao longo dos seus recentes 55 anos de magistério e de advocacia, vem dignificando o direito com as suas melhores lições de dizer o direito, como mestre e como o mais categorizado intérprete por sua doutrina jurídica. 

A síntese precisa é exatamente esta: nada mais acadêmico, rigorosamente acadêmico, que recebermos nesta Academia quem já traz consigo a melhor Academia dos seus saberes, pela própria cátedra de suas aulas civilísticas, ao chegar a este Sodalício que o recebe, acadêmica e legitimamente seu por direito.

Melhor ainda: Silvio Neves Baptista é o acadêmico que chega quando sempre foi o nosso mestre, por uma conquista de ensinagem posta em sufrágio da vida de todos os que foram e são os seus alunos, por uma primeira e por outras gerações seguintes, todos em uma premiação vivenciada de serem os aprendizes permanentes de sua elevada cultura jurídica. São mais de vinte e oito mil ex-alunos, que obtiveram a melhor láurea do conhecimento jurídico por o terem como professor, em salas de aula das faculdades de Direito do Recife e de Caruaru.

Uma síntese maior tem a fórmula festiva de exatamente hoje, nestes exatos dezessete dias de dezembro de 2020, reproduzirmos os cinquenta anos de colação de grau de sua primeira turma como professor de Direito Civil da clássica Faculdade de Direito do Recife, tão de Tobias Barreto quanto sua, e onde dessa Turma foi o seu paraninfo por escolha unânime.

Esta venerável Turma tem uma etimologia própria, celebrada em descrição pungente e afetiva, a de haver sido, com as maiores honrarias, a sua primeira turma na extensão de todo o curso jurídico de bacharelado; ao tempo de assumi-la como assistente de cátedra do prof. Mário Neves Baptista e tendo-a acompanhado, ano a ano, desde 1966, a lecionar Direito Civil. 

Os que refletem essa visão de um percurso cinquentenário empreendido, de tempo e de fecundo saber jurídico, como seus alunos integrantes da Turma de 1970, estão hoje aqui representados, por mim e pelo presidente da APLJ, Luiz Andrade de Oliveira, na força simbólica que une e unifica os dois eventos. Há um liame intemporal que permanece indelével.

Bem é certo que sua iniciação magisterial teve ocorrência, nas aulas de Direitos Reais, no ano anterior de 1965, na mesma Faculdade; quando ainda naquele ano graduava-se em Direito. 

Tudo, porém, teve o seu marco indelével no sentimento fundante da primeira turma, aquela de trato continuado, que fica perenizada no berço das origens de 1966 e adiante nos cinco anos inteiros. Um ano diferente para os que, chamados às suas firmes vocações, iniciavam os seus cursos jurídicos; um ano diferente em muitas variáveis de destino das pessoas, do país e do mundo. 

Foi naquele ano, em 17 de março de 1966, já nas primeiras semanas do curso jurídico, que ao estrear no Tribunal do Júri da Comarca de Angelim, no patrocínio da defesa de João Joaquim da Silva, obtive os meus primeiros honorários e com eles adquiri os meus primeiros livros jurídicos, dentre eles os clássicos de Orlando Gomes e de Silvio Rodrigues, já incentivado pelo ensino do mestre Silvio. Guardo o coração daquele tempo com a mesma juventude que acompanha todos os tempos seguintes.

Foi também em 1966, que tivemos as eleições indiretas para Governador, a nomeação de Prefeitos (Ato Inst. N. 3, de 05/02); a cassação de mandatos nos Estados, o atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes e um projeto de nova Constituição escrita pelo Ministro da Justiça, Carlos Medeiros, e pelos juristas Francisco Campos, Levi Carneiro, Temistócles Cavalcanti e Orozimbo Nonato. A Inglaterra em seu país ganhou a VIII Copa do Mundo e não resultou, naquele ano, outorgado o Prêmio Nobel da Paz. 

Éramos à época, no país, pouco mais de 86 milhões de habitantes e uma nova geração surgia ávida e determinante de futuros. Uma geração na busca intimorata e intimerata de sua identidade, de rumos e de certezas. Quanta iluminação foi imposta no diário das horas de todos os dias pela firme confiança no amanhã. É que nesse ritual de percurso todos nós tivemos no Prof. Silvio Neves Baptista o timoneiro seguro e eficiente dos sonhos e ideais da geração de 66. 

A sua determinação de apoio, de incentivo e de esperança, permitiu e objetivou que nenhum deles, por suas expectativas e crenças, tenha deixado de ser cumprido. Na prática, as visões predeterminadas de segurança jurídico-existencial foram extraídas com a disciplina de seu fascínio pelo direito. Em sua teoria geral de direito civil, adiantada a alguns grandes juristas da época, ensinou-nos afastar a visão formalista do código com sua melhor doutrina a exprimir percepções sensíveis da realidade social, identificando as soluções interpretativas mais consentâneas e socialmente prevalecentes.

Historicizar esse caminho permite-nos também encontrar o jurista de referência da ciência jurídica civilística, aperfeiçoado desde sempre, também ensinando Direito Civil no mesmo 1966, ao lado de Eraldo Almeida, na Universidade Católica e logo, no ano seguinte, lecionando Direito Romano na Faculdade de Direito de Caruaru, onde ali pontificou na cadeira por quinze anos. 

Iniludível constituir o Direito Romano fonte do direito de decisiva influência em nosso sistema jurídico, de tradição romano-germânica, Silvio Neves Baptista emprestou aos seus afazeres e pesquisas um perfeito domínio do latim, do grego e do alemão, indispensáveis ao estudo aprofundado do civil law.

Sua principal lição de mestre foi ser, principalmente, exemplo edificante aos seus jovens alunos, como pessoa essencial e prestativa ao aprimoramento compartilhado e técnico do direito. 

Aliás, todas as placas que registram homenagens à sua pessoa, de todas as turmas que se seguiram à nossa de 1970, na FDR e nas demais, traduzem com a maior fidelidade, essa assertiva do mestre que incentiva, aglutina e motiva, formador de milhares de qualificados profissionais nas diversas carreiras jurídicas, públicas ou privadas, ao longo de cinquenta e cinco anos.

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, com sua tese, em 2003, sobre a “Teoria Geral do Dano”, e Doutorando, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cuja tese “Estado de Necessidade no Direito Civil”, a ser defendida, ano vindouro, trata de tema de rara abordagem em nosso país, Silvio Neves Baptista tem uma intensa produtividade bibliográfica.  

Dos seus estudos, designadamente de direito contratual, de direito de família e das sucessões, de responsabilidade civil, de direito imobiliário e do direito empresarial, com obras e artigos publicados, revela-se o percuciente cientista dos institutos jurídicos e a sua contribuição original de excelente nível doutrinário.

Anoto, dentre muitas, seu estudo sobre “A Crise do Contrato”, de 1983, precedido por sua histórica conferência pronunciada no Tribunal de Justiça de Pernambuco, por ocasião dos seus 161 anos de instalação. Ali, em memorável pronunciamento, indicou o jurista que o envolvimento do direito obrigacional com a economia, de notáveis impactos nas relações jurídicas, não deve prejudicar a autonomia da vontade e tampouco o dirigismo econômico deva afetar a noção clássica do contrato em desequilíbrio do tratamento das partes; convocando, afinal que a aplicação judicial do direito deve constituir, sim, sua realização de valor.

Importa também dizer do jurista de uma permanência atenta de vigília a cada tempo do direito, como partícipe na dinâmica de sua evolução. 

Ao tempo dos trabalhos finais de elaboração do novo Código Civil de 2002, enfatiza-se que o artigo de abertura da codificação, tem a sua atual redação proposta por ele. Ao invés de constar no artigo 1º que “todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”, repetindo o Código de 1916, para além de uma melhor opção vir referir à pessoa, substituiu-se também o vocábulo “obrigações” por “deveres”, porquanto “existem outras modalidades de deveres jurídicos, diferentes da obrigação, a exemplo dos deveres de família”, como categorias jurídicas distintas.

É definitivo assinalar o jurista múltiplo que impressiona na doutrina com sua permanente atualização em riqueza de novas reflexões, tanto quanto o profissional da advocacia, que continua militante, com uma atuação idêntica de 55 anos de atividades forenses, primando em exercer o direito lecionado em prol do direito das pessoas. 

Do seu mundo acadêmico, alcançou a direção da Faculdade de Direito do Recife, alçado pelos méritos de sua regência, para administrar os interesses da gestão do ensino na tradicional instituição, pioneira dos cursos jurídicos do país. Essa honraria pertence a poucos. 

Do seu mundo de advocacia, também se revelou na advocacia pública, como um dos mais respeitados profissionais. De diretor jurídico da Secretaria de Administração e da Secretaria da Fazenda de Pernambuco, consultor geral do Instituto de Previdência do Estado, procurador geral da LBA e chefe da consultoria jurídica da Universidade de Pernambuco, foi como Procurador Jurídico do Estado, que também atingiu, nessa esfera, o ápice do cargo de Procurador Geral do Estado.

Nele confunde-se a figura do professor jurista e do jurista professor, prevalecendo essa ordem, porque o ensino do direito, matéria prima e opção de sua vida de jurista, o torna o permanente mestre.

Mas em não ser bastante o civilista, tem-se a pessoa extremamente cívica, comprometida com o Estado Democrático de Direito, quer por sua atuação na Ordem dos Advogados do Brasil, como seu conselheiro federal em 2007, quer por seus estudos nessa importante expressão nacional de cidadania. Em 1986, cuidou da análise do “Papel do Jurista na Reconstrução da Democracia Brasileira”, em estudo publicado pela Companhia Editora de Pernambuco, que serve como testemunho de seu elevado compromisso público por uma sociedade livre e solidária.

E em não ser ainda bastante o civilista, identifica-se a pessoa de sólida formação religiosa, quando nos anos 80, fundou ao lado de muitos, como os professores Gilvandro Coelho, Carlos Xavier Paes Barreto Sobrinho, Gilberto Correia, e, também, este seu aluno, a União de Juristas Católicos de Pernambuco, com sede no Círculo Católico do Recife.

Com a mesma extensão de latitudes, o civilista também nele recepciona a pessoa de reconhecida formação literária. 

Sua obra “Eça de Queiroz: Um caso de abandono materno e de filiação socioafetiva”, tem a sutileza literária do analista de sentimentos, tal como a do escritor realista russo León Tolstoi em sua novela de juventude “Felicidade Familiar”. São estampas de família que conjugam a literatura com o direito, nas suas pesquisas sobre Eça, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Flaubert e Dostoiévski, em diálogo atraente que o fez ingressar, por mérito acadêmico, em março de 2018, na Academia Pernambucana de Letras. 

Ali ocupar a cadeira 19, que pertenceu a João Cabral de Melo Neto e a Marcus Acioly, a quem sucedeu, ambos consagrados poetas, foi uma rima feliz que reconheceu em nosso jurista também um poeta do direito em sua visão de mundo. Afinal, o direito é um sentimento palpitante de realidade quando exatamente através dele se extrai o sentimento de justiça, e a justiça somente se realiza quando "O Direito não é só algo que se sabe; é algo que se sente.". Bem por isso, a dimensão transdisciplinar de sua busca do sentido humanista de um direito plenamente sensível o torna um jurista de permanente atualidade, com seu olhar no futuro.

Eminentes acadêmicos: Como o fato jurídico é elemento da relação jurídica, diremos, afinal, que a chegada do mestre Silvio Neves Baptista a esta Academia é um acontecimento suficientemente capaz de irradiar as suas melhores consequências, porque em função desse fato, aqui o direito ganhará maior amplitude por sua presença. Aperfeiçoam-se, nesta Casa, as nossas reflexões acadêmicas, pelo contrato de maior densidade de amor ao Direito que agora com ele celebramos.

Seja bem-vindo, mestre Silvio.
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Saudação proferida pelo acadêmico Jones Figueirêdo Alves, desembargador Decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, em nome da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ), em recepção ao jurista Silvio Neves Baptista por ato de sua posse na cadeira 25 da instituição, em solenidade realizada em 17.12.2020.